Vinhos, cervejas e uns bons drinques num dos pedaços mais agitados da cidade, onde os prazeres são infinitos. Prepare-se para um longo roteiro, em que é prudente forrar o estômago pelo caminho
Por Sergio Crusco

São Francisco já foi cantada em verso, prosa, música e cinema. Tomar umas e outras por lá vai fazer você recordar várias canções (a do Tony Bennett, sem dúvida), reviver cenas de filmes e alguns romances noir que andou lendo (o mais célebre, O Falcão Maltês, de Dashiell Hammett), identificar em cada canto uma lembrança, mesmo que seja a sua primeira vez por lá.
North Beach, o bairro italiano, é pródigo em bares cheios de história. É para lá que você deve seguir se quiser ter a chance de estar onde grandes personalidades que criaram a alma de São Francisco esvaziaram seus copos. Imagine sentar-se no mesmo lugar onde Jack Kerouac tomava seus traçados. Alisar a madeira do balcão onde Rudolph Nureyev passava tardes de ócio, entre um rodopio e outro. Ou saber que está bebendo um bom vinho bem debaixo das salas onde Francis Ford Coppola montou O Poderoso Chefão. Vá com calma, pois o roteiro é intenso, repleto de sabores. Em breve, vamos falar de outros recantos não menos inebriantes de São Francisco.


O passeio por North Beach pode começar com classe no Cafe Zoetrope (916 Kearny Street), de Francis Ford Coppola, no térreo do Sentinel Building, onde também está instalada a produtora do diretor. Para uma passagem rápida, escolha o balcão, onde é possível pedir taças de uma boa seleção de rótulos produzidos nas vinícolas californianas de Coppola e vários italianos. A linha Sofia, em homenagem à filhota, é um começo perfeito. O espumante Blanc de Blancs, feito com uvas Pinot Blanc, Muscat e Riesling, é elegante, leve e frutado. Se quiser partir para o almoço, o cardápio traz várias sugestões, a maioria de sotaque italiano, com vasta escolha de massas e pizzas. Os coquetéis da casa também impõem respeito, especialmente o bloody mary. Tem até caipirinha na carta, mas essa a gente deixa para tomar por aqui.

Outra parada fundamental é o Vesuvio Cafe (255 Columbus Avenue), ao lado da mítica livraria City Lights, onde Jack Kerouac amarrou uns bons porres. As paredes são forradas com imagens e referências dos bambas que passaram por lá – além de Jack, Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti. Fundado em 1948, o Vesuvio atrai uma clientela maluca e diversa até hoje. Estudantes, escritores, motoristas de táxi, dançarinas burlescas que trabalham nos nightclubs de North Beach e ali relaxam a musculatura após a tensão na barra de pole dance. Para os ecologicamente corretos, há drinques com ingredientes orgânicos. Mas a pedida aqui são os uísques (para entrar na onda da geração beat) e uma variedade de cervejas americanas servidas em garrafas ou na pressão.

O Mario’s Bohemian Cigar Store Cafe (566 Columbus) é uma paixãozinha de North Beach (a minha, pelo menos). A casa não vende mais charutos, como o nome indica, mas serve algumas das melhores refeições rápidas do pedaço. Os panini, as focaccias e as pizzinhas, tudo feito num pequeno espaço, no canto do balcão, saem como pipoca em porta de circo. É tudo quentinho, crocante, delicioso. Para acompanhar, se você sentir que é hora de jogar algo estimulante para dentro, o espresso da casa é corretíssimo. Se quiser continuar na ronda alcoólica, aqui a pedida são vinhos italianos em taça (a seleção varia, no estilo “é o que temos para hoje”) e cervejas na pressão como Anchor Steam, Peroni e Stella Artois. Ou a boinha Birra Moretti em garrafa. Se o Mario’s estiver cheio (o que não é raro acontecer, o lugar é pequenino), vale a pena se acotovelar para esperar sua vez no balcão ou nas poucas mesas.

Quando a noite estiver caindo, é hora de curtir a happy hour no Tosca Cafe (242 Columbus), que abre às 17h. Fundado em 1919, o Tosca é famoso por seus coquetéis, em especial o capuccino “quente” (com Marie Duffau Bas Armagnac, Buffalo Trace Bourbon, Dandelion Chocolate Ganache e leite). O bailarino russo Rudolph Nureyev era fã do lugar, de finas linhas art déco. O músico Lars Ulrich, do Metallica, e o ator Sean Penn também são. O político Harvey Milk, defensor dos direitos gays, apesar de viver e agitar pelas bandas do Castro, o bairro do arco-íris, dava seus pulos no clássico bar de North Beach de vez em quando. Tosca era sua ópera predileta.
Outros prazeres
Em North Beach você vai encontrar um sem número de bares, restaurantes, cafés, empórios, rotisseries, sorveterias, lojinhas e tudo mais que faz os dólares voarem da carteira. Para uma forrada de estômago farta e calórica (especialmente depois do passeio etílico pelos cafés), sugiro o Sotto Mare (552 Green St.). O lugar é cafona até dizer chega, com imagens e badulaques pendurados por todos os cantos, mas a cozinha especializada em massas e comida do mar vai fazer você esquecer que está debaixo da foto que o dono do restaurante fez com o Paul McCartney. O clam chowder deles (sopinha de mariscos típica da região) é um dos melhores da cidade. O linguini com frutos do mar, uma alegoria de escola de samba (sim, você pode dividir os pratos, são enormes). Eu sempre vou de fetuccine com vieiras, mas como tudo sozinho, ninguém tasca. Se quiser um ambiente menos amontoado, mais trendy, o Rose Pistola (532 Columbus) é boa opção, com uma carta interessante de vinhos italianos e pratos que reinventam clássicos com charme. Se ainda sobrar fôlego, o Savoy Tivoli (1434 Grant Avenue) é um bar centenário onde rolam rodas de jazz do meio da tarde até a noite.
Carmen McRae diz, nessa canção, que está sempre embriagada em São Francisco, mas que não bebe uma gota. Com ou sem álcool, a cidade é inebriante…
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Créditos das fotos: Columbus Avenue e Banda (Sergio Crusco), Mario’s Cafe (Brian Patch/Reprodução Facebook), Zoetrope Cafe (Victor Grigas, Wikimedia Commons), Sofia Blanc des Blancs e Tosca Cafe (divulgação)