Os “discos para coquetel”, embora esquecidos, fizeram época e a alegria de quem precisava criar um clima antes de partir para a ignorância
Por Sergio Crusco
Lá pelos meados dos anos 1950, os long plays, ou LPs, revolucionaram a maneira de ouvir música. Imagine que antes, para curtir seu hit predileto, era preciso recorrer às bolachas em 78 rotações, com uma música de cada lado. O LP mudou tudo isso, primeiro no formato de 10 polegadas, que geralmente trazia 8 faixas, e depois no tamanho mais popular, o de 12 polegadas, no começo quase sempre com 12 músicas.
Quem hoje usa os serviços de streaming – e tem toda a história da música, de Mozart a Lady Gaga, na palma da mão – talvez não possa imaginar a novidade que os discos de longa duração traziam. Para a música clássica, um avanço, pois era possível gravar grandes obras em uma ou mais bolachas, sendo que a única interrupção acontecia no momento de trocar de lado. Para a música popular, a oportunidade de criar o que mais tarde seria definido como “álbum conceitual”. Ou seja, reunir temas ou canções que abarcassem um estilo, um estado de espírito, uma ideia lírica ou estética.
Frank Sinatra fez história com seus álbuns da época, quando sua carreira, então em baixa, foi reacesa com o lançamento de joias como In the Wee Small Hours (1955) e Frank Sinatra Sings for Only the Lonely (1958), ambos recheados de canções tristíssimas, a fina-flor da dor de cotovelo. Os roqueiros, nos anos 60, deitaram e rolaram com tantas possibilidades. Sem alongar muito o assunto, basta lembrar de Pet Sounds (1966), dos Beach Boys, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, e Tommy (1969), do The Who.
No alvorecer do LP, houve também muito espaço para a “música exótica”, havaiana, com inspiração africana (sua avó provavelmente tinha um disco do Les Baxter), das ilhas da Polinésia e até intergalática, sons e tradição resgatados por alguns jovens da lounge music, do hip hop e da música eletrônica em geral. Nem os poderosos trinados da peruana Yma Sumac escaparam: foram sampleados e amplificados.
Há uma espécie de long play, no entanto, que ficou perdida no tempo e guardada em móveis empoeirados. Eram os “discos de coquetel” – ou cocktail records. Em perspectiva histórica, podemos chamá-los de “discos para sacanagem”. Tinham a duração exata para que o sujeito preparasse uns Martinis enquanto a mocinha inebriava-se com o som de violinos, órgãos sedutores, um dedilhar de piano arrebatador, temas do jazz cafonizados com orquestrações aveludadas ou até um cha-cha-cha puladinho. Ao fim do lado B, já se havia partido para a ignorância.
O clima de lascívia era sugerido, às vezes nem tão sutilmente, em capas coloridonas que traziam casais trocando olhares faiscantes, garotas pimponas à espera de seu Daiquiri, champanhe a rodo e rapazes escondendo a pele de lobo por baixo de elegantes smokings. Esse tipo de som suave, bem antes da expressão lounge ganhar força, às vezes era reconhecido como bachelor music. Música para solteiros, como mandava o machismo de então. Cafofo’s Greatest Hits, se hoje fossem relançados em coletânea.
Houve músicos que se especializaram em séries de álbuns próprios para a hora do coquetel (ou da fuzarca, como preferirem), como o acordeonista Art Van Damme, cuja carreira se estendeu até os anos 1970, quando discos para esse fim já eram ideia tão estapafúrdia quanto a cueca samba-canção (embora ainda fossem produzidos os dois artigos). Hoje é meio ridículo pensar no som do acordeão como estimulante sexual (a não ser num forrozão bate-coxa). Mas na época, deduzo, fazia a cabeça, irmão.
PS. O álbum Cugi’s Cocktails, de Xavier Cugat, ganha todos os prêmios de originalidade, com músicas que têm nomes de coquetéis, cada uma num ritmo da moda: rumba, cha-cha, mambo, bossa nova e uns toques de boogaloo (adoro!). Não faz feio ainda hoje, numa festinha retrô regada a bons dringues. Tem um petisco dele na playlist, lá no final do post.




























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Cocktails para dois, para três, para quem mais vier
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Imagens: Reprodução
ai que demais! adorei
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Obrigado, Adriana!
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que matéria sensacional …muito bacana e instrutiva pra história da coquetelaria..parabéns
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Oi, Lucas, fico feliz por você ter gostado. Essas capas realmente inspiram quem vai beber e quem vai preparar os drinques também!
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Fico com “Cocktails for two” e “Crazy”, lógico! 🙂
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Adoro as capas com ilustrações, Neuza. A da festa maluca é uma das melhores!
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