Um casarão cheio de verde no limiar de Pinheiros e Vila Madalena une o que nem sempre costuma andar junto: drinques e comida de excelência
Por Sergio Crusco / Fotos: Tales Hidequi

Bons coquetéis e boa comida são duas coisas que nem sempre andam lá muito juntas. É comum bares excelentes pecarem nos petiscos ou simplesmente não darem muita atenção a esse quesito. Ou o restaurante é sensacional, mas cadê drinque decente para o aperitivo ou mesmo para acompanhar os pratos? A ideia dos três sócios europeus do novo Axado Bar, em São Paulo, foi unir o que havia de melhor nas duas pontas e torná-las complementares.
O lado gastronômico é liderado pelo chef alemão radicado em Portugal Joachim Koerper, um dos sócios. Ele criou o cardápio e fará visitas regulares a São Paulo para cuidar da cria, alternando-se entre seu outro empreendimento em Lisboa, o Eleven, com uma estrela no Guia Michelin. Paulo Felisberto, chef em tempo integral na cozinha do Axado, explica o conceito do restaurante: “O cardápio foi imaginado com alguma portugalidade, sem dúvida, porém com influências globais. É um restaurante que veríamos na Lisboa de hoje. Uma Lisboa aberta para o mundo”.
Atrás do balcão (ou circulando entre as mesas, sugerindo as melhores escolhas para cada paladar), o mixologista Rodolfo Bob lança-se num projeto de fôlego depois de alguns anos dedicados ao estudo e ao ensino da coquetelaria com sua escola O Bar Virtual. Sua maneira de entender a modernidade ibérica na carta de coquetéis autorais, paradoxalmente, foi sugerindo uma viagem no tempo, com inspiração na época das grandes navegações.

“Trouxemos para os drinques características próprias de lugares que foram portos das grandes rotas. Da Índia as especiarias, da Tailândia o agridoce, da África o gengibre, do Japão o yuzu”, ele explica, já entrando no assunto que nos interessa: dringue. Em poucos dias de funcionamento, o Yuzu Gimlet #3 já se mostrou o hit da enxuta porém diversa carta de Bob para o Axado. Para reinterpretar o clássico Gimlet, que deveria levar Rose’s Lime Juice (cordial de limão indisponível no Brasil), ele lançou mão de um blend de purê e de licor de yuzu, fruta nipônica que dá a pegada cítrica do trago, cuja base alcoólica vem de dois destilados: gim e vodca.
Ainda de ares orientais, o Chinese Xsmash traz o frescor e um mix cítrico, um toque defumado vindo do chá lapsang souchong infusionado ao gim, o sabor refrescante da calda de hortelã, uma pitada de sal marinho com especiarias e o aroma do manjericão roxo. É um drinque bem delicado, com jeito de noite de verão, que cai bem com as entradinhas do menu. O Clover Club, clássico que está virando moda outra vez, também pode cumprir a mesma função. Leva gim, xarope de framboesa, limão siciliano e mix seco de frutas silvestres. É superfrutado e lindo (sim, fica bem no Instagram).

Falar em navegação sem lembrar do Caribe é impossível. Por isso o rum tem destaque na carta de Bob em dois coquetéis. O mais diferentão, Catch a Fire, evoca Bob Marley e mostra que amargor e refrescância podem conviver no mesmo copo. Leva rum jamaicano Appleton Estate, amaro italiano Lucano, camomila (é bom que acalma), folhas de louro para perfumar e uma soda de limões assados até quase queimarem, que dão a nota amarga a esse trago longo. Outra boa opção com rum, para quem quer se jogar de uma vez na onda tropical, é o cítrico, perfumado e bem temperado Huracán, com Bacardi Carta Blanca, Bacardi 8 anos, coulis de maracujá, purê de abacaxi com especiarias, licor 43, mix cítrico e spray de café. É beber e já sair dançando caribenho, meio reggae, meio rumba.
Mas o drinque com o qual me atraquei, num caso até meio indecoroso, foi o Manhattan Chocolate, um potente alquimia de Bourbon Maker’s Mark, vermute com nibs de cacau, bitter Angostura, bitter de chocolate, spray de amburana e mais uma rajada de chocolate em pó Callebaut por fora da taça. Um drinque doce? “Quando se fala em chocolate, logo se pensa em açúcar. Mas chocolate é amargo e, nesse Manhattan, o dulçor vem do vermute e do bourbon”, comenta Bob. É um coquetel inspirador e contemplativo, para ser bebido vagarosamente, de preferência sem muita gente falando em cima. A evolução dos sabores na boca é complexa e a vontade de lamber o chocolate na taça, irresistível (taí a falta de decoro da minha parte).

Além dos coquetéis autorais do Axado (todos por R$ 29), há uma lista de clássicos que inclui todos os manjadões (Negroni, Bloody Mary etc.) e algumas receitas menos conhecidas como Bee’s Knees (R$ 32, gim, mel e limão), Carajillo (R$ 26, Licor 43 e café expresso) ou Penicillin (R$ 33, scotch 12 anos, xarope de gengibre e perfume de single malt). Caso algum clássico não conste da carta, pergunte à equipe de bar sobre a possibilidade de ele ser executado.
Gins e comidinhas
O Gim Tônica, modinha ainda em alta, também tem largo espaço na carta. Há 20 opções de gins, nacionais e estrangeiros, servidos de acordo com o perfil de aroma de cada um, com preços de R$ 28 a R$ 55, de acordo com a finura do seu bico ou a grossura do seu bolso (outras duas qualidades que também nem sempre andam juntas, infelizmente). “Pesquisamos o serviço sugerido por cada marca e servimos uma dose honesta de 60 ml com uma intervenção muito sutil de aroma, apenas para realçar aquilo que a bebida já traz em seu perfil. O gim tônica de Monkey 47, por exemplo, leva 1 folha de hortelã e uma framboesa. Não tem um chumaço de erva e um purê de fruta boiando no drinque, como se vê por aí”, diz Bob.

Embora eu já tenha declarado meu caso de amor com o Manhattan Chocolate, devo admitir que o Gim Tônica, servido na taçona bonita, cheia de gelo e coisa e tal, combina bem com a ambiance do Axado, especialmente se a noite for quente. É um sobradão amplo, cheio de verde e arte, dividido em vários ambientes: para quem quiser sentar para jantar em paz e comodidade, para quem prefere curtir a coquetelaria no bar do fundão, cercado por uma parede verde, ou para quem entra no clima lounge, no bar do mezzanino, com sofás e mais um terraço-jardim com DJ. A residente da casa é Ju Salty. E já ganhou meu coração assim que eu coloquei o pé lá: estava tocando Nanã, do Moacir Santos (no fim do post, uma playlist da casa).

Da cozinha, você pode esperar boas surpresas. No setor de entradinhas, a chamuça de pato confit (R$ 18), massa folhada frita recheada com carne de pato, as costelinhas assadas com molho barbecue de goiaba (R$ 29) ou os bolinhos de bacalhau tentadoramente recheados com queijo Serra da Estrela (R$ 37). Aí está a portugalidade citada por Paulo Felisberto, que se estende às opções de prato principal. O bacalhau confitado com chips de mandioquinha e crosta de azeitonas pretas (R$ 55) já é o prato mais pedido da casa. Para quem é da turma, digamos, mais heavy metal, tem a deliciosa barriga de porco, também confitada, com chutney de tomate e molho maracujá (R$ 55).
Drinque de comer? Também tem, no final da refeição. A sobremesa Gin Tônica (R$ 15) tem gelatina feita com gim e tônica Fever Tree, mousse de limão e sorvete de iogurte com pepino. Uma coisa que parece que não vai dar certo, mas tem leveza, beleza e muito sabor. Mas eu vou mesmo de creme brûlée de maracujá com sorvete de chocolate e cumaru (R$ 15). Harmoniza com o Manhattan, ha ha ha…
Vai lá: Axado Bar, Rua Deputado Lacerda Franco, 478, tel. (11) 3819-1304. Consulte horários de funcionamento e cardápio completo no site da casa.
Chupa forte, lambe tudinho e sai pisando fofo
E o link da playlist do Axado criada pela DJ Ju Salty no Spotify
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Créditos adicionais de imagens: Marco Pinto (Visual do Bar), Sergio Crusco (Coquetel Catch a Fire)